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Parque Nacional Torres del Paine

Nós, os viajantes Glória Tupinambás e Renato Weil, demos a sorte de explorar Torres del Paine de motorhome

É bom preparar as pernas e o bolso para explorar Torres del Paine, reconhecido como o parque mais bonito da América do Sul. Nesse paraíso natural localizado no extremo Sul do Chile, as trilhas não são brincadeira: caminha-se cerca de 20 quilômetros por dia (entre subidas e descidas íngremes, ventos patagônicos, pedras e alguma lama) para chegar aos principais atrativos. E os preços também não são nada leves. Um casal vai gastar uma média de R$ 1.000 por dia para pagar a entrada do parque, alojamento nas trilhas, deslocamento em catamarãs e alimentação. E quem quiser conhecer o parque num esquema de luxo também tem essa opção (basta ter uma conta bancária recheada). Dentro da reserva natural, há hotéis de altíssimo padrão, com diárias a partir de R$ 3.500.

Nós, os viajantes Glória Tupinambás e Renato Weil, demos a sorte de explorar Torres del Paine de motorhome, o que significou conforto (banho quente, comida boa e cama confortável dentro da nossa A Casa Nômade) a um preço super camarada! Ficamos 8 dias no parque para percorrer os principais atrativos e agora sim podemos dizer que Torres del Paine não é apenas um dos lugares mais lindos da América, mas também do mundo.

Então, bora começar pelo cartão-postal? As Torres: gigantes maciços de pedra cobertos de neve são deslumbrantes! E para completar o cenário, um lindo lago esverdeado formado com água de geleira. É incrível e vale cada minuto da exaustiva caminhada até lá!

E depois, é hora de explorar o Glaciar Grey. Na trilha de 22 quilômetros que leva à geleira mais famosa de Torres del Paine, experimentamos a sensação única de caminhar ao lado de icebergs e sentir no rosto o vento frio e cortante que sopra sem parar. Maravilhoso!

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Negócios Pendentes

Nos vemos no que hoje pra mim, ainda, é só a terra das es

Anos atrás, durante uma encruzilhada em um ponto crítico em minha vida, eu engavetei essa viagem. Há surpresas – e grandes indicadores de esperança e ameaças – que camuflam algumas escolhas. E apesar do meu desejo, eu certamente não estava pronto para aquilo. Agora, talvez seja o momento de acabar com essa espera e resolver algumas pendências.

O que eu sei sobre a Índia? Taj Mahal, Mahatma Gandhi, curry.

Nepal? Bem, o Everest fica por lá.
Sem dúvida alguma, meu maior percalço é o planejamento antes de uma viagem. Tomar notas de um guia, buscar informações em blogs e tentar estabelecer um itinerário são coisas que me dão calafrios. Muito por conta da minha total aversão a roteiros engessados, se existe alguma parte que eu preferiria pular seria justamente essa. Não estou à procura dos melhores restaurantes da cidade que irão agradar ao paladar de turistas ou atrações tidas como imperdíveis por quem não vive lá. Errado, despreparado ou relapso, gosto mesmo é do improviso e do calor do momento. Sempre me saí melhor conversando nas ruas, seguindo meu instinto e fazendo a minha interpretação momentânea. Me dê um mapa e vai ficar tudo bem.
Depois de horas a frente de um computador meu cérebro está cozido. Há mais de uma semana tento me adiantar e comprar alguns tickets de trens que vou precisar pra me mover pela Índia. Em um país com mais de um bilhão de pessoas, imagino que essa é uma boa hora para me esforçar e tentar garantir essas passagens. Mas não tem sido nada fácil. Dezenas de e-mails em um inglês bastante mal escrito – da minha parte, é claro -, números de telefones imaginários, cópias de passaportes e a esperança que, talvez no próximo contato, algo dê certo.
Será isso uma prévia da Índia? Um teste de paciência para já ir me acostumando?

Eu espero que não. Tento varrer da minha cabeça o carretel de informações preconceituosas e mal faladas sobre as quais eu li e manter meu foco na esperança de uma empreitada reveladora no melhor sentido.
Qual o grau em que nós do ocidente – me incluindo – somos ignorantes sobre outros lugares da Terra? É realmente uma visão estreita e que nos coloca como prioridade? O quão suficiente liberto do etnocentrismo eu estou para me deixar ter uma experiência positiva no sudeste asiático?
Todos exaltam insistentemente o “choque cultural” que é chegar a lugares como Varanasi ou percorrer Katmandú. Cores brilhantes, variações descontroladas de texturas, rituais com cadáveres, serpentes, misturas de especiarias, sabores e aromas assertivos. É isso o que podemos esperar da Índia e do Nepal? Ou seria apenas um olhar ocidental da situação?
Nem de longe sou um viajante experiente. Nunca sequer visitei um país onde a maioria não fosse cristã. Mas espero compensar isso com entusiasmo e curiosidade, os melhores argumentos para viagens que posso pensar.
Ainda que eu escreva para as pessoas, geralmente não me importo muito com o que elas  vão tirar das minhas experiências. Claro, espero que as pessoas gostem do que vêem e lêem. Espero que elas sejam entretidas e interessadas. Que elas achem as imagens impressionantes e entendam as minhas meras mensagens. Mas isso é muito, muito longe do que eu estou pensando quando me certifico se meu cinto está afivelado e se a bandeja a minha frente se mantém presa.
Mesmo tendo que dedicar atenção a locais para hospedagem, horários de trens e vacinas, em primeiro plano me preocupo como eu vou reagir a algumas situações e a forma como eu vou poder entender e ter cabeça suficiente para interpretar alguns lugares.
Não espero nada da Índia ou do Nepal e ao mesmo tempo espero tudo. Será mesmo verdade a máxima de que volta-se “diferente” de lá? Quem são os Sikhs? Por que as vacas são sagradas? Em pouco mais de uma semana o avião vai aterrissar em Nova Delhi e então o show vai começar. Até lá, tudo é expectativa e mera presunção.
Por que eu escolhi esses países? Honestamente, não encontro uma resposta confortável.
Das coisas que ainda tenho certeza, uma delas serve de alento: quanto mais vemos do mundo, como as outras pessoas – supostamente tão diferentes de nós – vivem, e ainda que brevemente, possamos conversar com elas, dar um passeio e dividir um prato de comida, então melhor esclarecidos seremos. Estar exposto a outra realidade é contaminante. Nos permite aprender importantes lições e nos enriquece. Faz – ou deveria nos fazer – mais humildes.
Nos vemos no que hoje pra mim, ainda, é só a terra das especiarias e do Himalaia.

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A Isla Martillo

Uma bela história sobre o que aconteceu e o que vem acontecendo na fauna da Terra do Fogo

Esse não é nenhum texto escrito com caráter questionador. Na melhor das hipóteses, ele conta apenas uma bela história sobre o que aconteceu e o que vem acontecendo na fauna da Terra do Fogo. Um breve relato sobre pinguins.

 

Não é de hoje que ridicularizamos gringos que, por ventura, nos questionam ou imaginam por conta própria cobras perambulando na Avenida Paulista, tribos indígenas intocadas tomando banho de sol no Leblon ou que o cipó é o principal meio de transporte em Manaus. Eu nunca ouvi falar sobre qualquer estudo, mas desconfio que há uma grande parcela de brazucas que também imaginam a capital da Amazônia como um lugar totalmente verde, com ruas de terra batida e jaguatiricas dormindo em quintais.

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Em Ushuaia a situação é a mesma. Faz parte do roteiro diário esclarecer que não há pinguins caminhando na rua. Eu não sei que parte do Happy Feet algo ficou mal esclarecido e muita gente acabou confundindo as coisas. Imagine você, no ponto de ônibus esperando o latão, e ao seu lado um par de pinguins estão dividindo uma lata de sardinha enquanto curtem o fim de tarde. Em algum lugar do mundo isso até pode existir, mas aqui, hoje, não.

 

Segundo os mais antigos, até os anos 70 houve uma colônia de pinguins bastante próxima da cidade, localizada mais ou menos na parte da península onde hoje é o Club Náutico de Ushuaia. Apesar da cidade já estar de pé há mais de 130 anos, 40 anos atrás ela era apenas um pequeno povoado, com um velho presídio e uns 5 mil habitantes. Não havia indústrias, poluição, pessoas.

 

Mas conforme o progresso deu as caras e o lugar começou a crescer, quem resolveu dar no pé foram os pinguins.

Justamente nesse ponto a história se perdeu. Não se sabe com exatidão em que ano começou ou quanto tempo o processo de migração demorou. E mais além, ninguém sabe o porque eles decidiram se estabelecer em uma pequena ilha que está a mais de 70 km da sua antiga casa: a Ilha Martillo.

 

Em 1800 e guaraná com rolha, o inglês Thomas Bridges aportou na região de Ushuaia com a missão era evangelizar os nativos. Algumas tentativas frustradas já haviam ocorrido, mas dessa vez a carruagem andou. Ao invés de massacrar os indígenas fazendo uso da força – e ser massacrado também, diga-se de passagem -, Bridges resolveu tudo fazendo apenas o uso de uma única arma: o diálogo. O inglês aprendeu o idioma dos nativos, ganhou a confiança deles, bateu um papo e tudo acabou bem. Não que eu concorde com o que ele fez, mas pelo fato de uma conversa ter entrado no lugar de mais pólvora ele merece algum crédito.

 

Feito seu trabalho, Thomas decidiu se estabelecer na região. Foi a Buenos Aires e solicitou um pedaço de terra para que ele pudesse se fixar com a família. O então presidente argentino Julio Roca viu nesse pedido uma grande oportunidade de liquidar outro conflito. Na época, Argentina e Chile estavam em um delicado processo de delimitar fronteiras, e Roca percebendo a suposta solução batendo sua porta não há deixou escapar. Bridges voltou para a Inglaterra portando um documento onde a Argentina lhe concedia terras. Como naquela época as informações eram escassas e levavam muito tempo a serem entregues, os ingleses entenderam como resolvido o conflito fronteiriço Argentina e Chile e passaram a acreditar que aquela região era celeste.

Foi nesse pedaço de terra, distante uma hora de carro de Ushuaia, que se fundou a primeira estância da Terra do Fogo: a Estância Harberton. Hoje um centro de pesquisas, o lugar também abriga um museu expondo a vida marinha da região e é acessível somente pelo mar ou pela Ruta J. Um propriedade particular, que está nas mãos da mesma família à quase 200 anos.

 

OK, linda história. Mas que diabos tem haver esse inglês e a estância se o texto era sobre pinguins?! Pois foi justamente para dentro dessa área privada que os pinguins rumaram.

 

A Ilha Martillo é uma das dezenas – ou centenas – de ilhas no Canal de Beagle, deslocada cerca de cem quilômetros da saída para o Oceano Atlântico, e pertence às propriedades concedidas a Thomas Bridges. Assim como muitas outras, ela tem exatamente as mesmas características das ilhas que estão ao seu redor, e essa é a parte mais intrigante.

 

Não se sabe porque exatamente os pinguins escolheram essa ilha. As condições geográficas, climáticas e geológicas são exatamente iguais às de quaisquer outras que estão próximas. Mas por uma grande obra do acaso, acabaram escolhendo uma área protegida para fazerem seus ninhos. É como se eles soubessem o que estavam fazendo e estivessem cansados de vizinhos. Um vez dentro de uma área particular, e justamente sobre a tutela de um centro de pesquisa da vida marinha, eles finalmente encontraram o lar ideal.

 

Durante as estações mais frias, os pinguins rumam para o norte. Somente quando a temperatura começa a aumentar, em meados de outubro, eles adentram o Canal de Beagle e se estabelecem em sua ilha, onde passam o verão reproduzindo. Eles estarão por aqui até próximo ao mês de abril, quando deixam a ilha em direção às águas quentes. É sempre a mesma ilha e a operação se repete ano após ano.

São duas as principais espécies que freqüentam a Ilha Martillo: os Pinguins-Papua e os Pinguins-de-Magalhães, mas não é difícil que os Pinguins-Rei dêem as caras. Há poucas semanas escutei falar que Pinguins-de-Penacho-Amarelo, que normalmente estão na Ilha dos Estados ou próximos a Península Valdez, também estavam visitando a Martillo. Além dos pinguins, aves como skúas, petreles, cormoranes e gaivotas também figuram pelos arredores.

 

Chegar a “Pinguinera”, como foi apelidada a ilha, é bastante fácil, mas depende exclusivamente da compra de um tour. Por contrato, apenas uma operadora pode fazer o desembarque na reserva e cem é o número limite de visitantes diários.

 

Confesso que – não me pergunte porquê -, eu não estava tão animado enquanto subia ao bote que durante vinte minutos nos levaria até a Martillo. Eu estava com o clássico pensamento preconceituoso que atinge alguns viajantes. “Ahh, isso é coisa para turistas e americanos verem”.

 

Mas, como em muitas ocasiões, e para o meu próprio bem, eu estava errado. O barco desacelerou, eu ergui a cabeça, e ao passo em que eu via os primeiros caminhando desengonçados pela areia da praia, o guia solicitava em voz alta à todos: “Eles são amigáveis, mas se assustam fácil. Por favor, controlem seus sentimentos.”

 

Pra mim, já era tarde demais.

 

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Projeto “Bolinha de Sementes” conscientiza jovens e planta centenas de árvores

A Macboot apoia o projeto “Bolinhas de Semente”, criado pela bióloga Pamela Cristina Borelli

A Macboot apoia o projeto “Bolinhas de Semente”, criado pela bióloga Pamela Cristina Borelli, 29, e desenvolvido com alunos de escolas públicas e estaduais em Franca, no interior de São Paulo. Na primeira etapa deste projeto, aproximadamente 60 alunos da Escola Suely Machado participaram das atividades.
A ideia surgiu com o intuito de conscientizar os jovens sobre a importância da preservação ambiental, ensinar novas técnicas de plantio e promover a participação deles em ações efetivas de reflorestamento na cidade.
Pamela coordenou todo o projeto, que conteve aulas sobre ecologia e botânica, além da parte prática de montagem das “Bolinhas de Semente” composta por argila, terra e esterco.
No último dia do projeto, todos os alunos que participaram das atividades, fizeram o lançamento das bolinhas em uma área de reflorestamento localizada nas margens da rodovia João Traficante, que liga Franca a Ibiraci (MG).
Neste plantio foram lançadas cerca de 900 bolinhas de sementes contendo espécies como Ipê Amarelo, Jatobá, Aroeira, Faveiro, entre outras. Todas nativas da região de Franca.
A partir de março de 2017 o projeto deverá ter continuidade e mais escolas de Franca serão trabalhadas até novembro de 2017.
Veja abaixo vídeo e fotos do Projeto:

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Pantanal: Beleza nos confins do Brasil

Mais que uma estrada, uma lenda!

Mais que uma estrada, uma lenda! A Transpantaneira, com seus 147 rústicos quilômetros, povoa o imaginário de 10 entre 10 viajantes como um obstáculo a ser vencido. E não poderia ser diferente para nós, Glória Tupinambás e Renato Weil, turistas profissionais e repórteres d’ A Casa Nômade! As 120 pontes da Transpantaneira rangem, estalam e envergam com o peso do nosso motorhome; a terra avermelhada se apresenta ora em nuvens de poeira, ora em assustadoras poças de barro; e as suas margens são uma viagem à parte. Por ali desfilam famosos personagens pantaneiros.


Portanto, prepare-se para o esquema: luz, câmera, ação! O Pantanal se apresenta de maneira cinematográfica aos visitantes. O tuiuiú mergulha seu longo bico na água e devora uma piranha. O gavião faz um voo magistral e captura sua presa com a elegância digna de uma bailarina. A garça-baguari, aparentemente inofensiva, avista peixes a metros de distância e mostra suas garras para matar a fome. A ariranha vigia sorrateira o seu território. Tucanos disputam espaço com pássaros menores nas árvores. Antas e capivaras pastam tranquilas com seus filhotes. E o jacaré…. ah, o rei do Pantanal mostra os dentes sem pudor, emite um som gutural (o esturro) para atrair as fêmeas e, entre um ataque e outro aos peixes, revela que até ele tem seu ponto fraco: sanguessugas incrustadas no céu da boca. Tudo isso a poucos metros de nós, que parecemos passar despercebidos aos olhos dos animais selvagens.


A viagem pela Transpantaneira ofereceu para nós, d’A Casa Nômade, uma surpresa a cada quilômetro. No trecho entre Poconé e Porto Jofre, nos confins do estado de Mato Grosso, foram várias freadas bruscas ao nos depararmos com animais selvagens à nossa frente; os ouvidos sempre ficaram atentos para curtir a sinfonia dos pássaros; e viajamos por ali sem nenhuma pressa. Outro ingrediente fundamental para o passeio foi a nossa disposição. O nascer e o pôr-do-sol foram espetáculos garantidos. Nos horários de pico do calor (entre 11h e 14h), valeu pegar a estrada para flagrar o banho de sol dos jacarés. À noite, o safári fotográfico rendeu lindos cliques…

Textos e fotos: Glória Tupinambás e Renato Weil / A Casa Nômade

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A Cárcere do Fim do Mundo

A Ilha dos Estados é a última perna da Cordilheiras dos Andes e pertence a Argentina. Foi lá, em San Juan del Salvamento, que funcionou até 1889 uma espécie de colônia penal aos militares acusados de assassinato.

Suas paredes tem mais de 60cm de espessura. O vento gelado que penetra pelas janelas quebradas corta o saguão. Um odor fétido atesta a autenticidade do lugar. Outros pavilhões já estão reformados e expõe peças pertencente ao Museo Marítimo y del Presidio, mas este, intacto, ainda tem o silêncio ensurdecedor e o chão sujo. Nada mudou em quase 70 anos na prisão do fim mundo.

Não existem relatos de uma única fuga exitosa. Bem por isso, essa foi considerada a prisão mais efetiva do mundo. Alcatraz ficou para trás. Várias tentativas de fugas ocorreram por aqui, embora pouquíssimas bem sucedidas. Escapar do presídio em si não era tarefa muito difícil já que os detentos passavam horas fora da cárcere realizando diversas atividades, mas uma vez do lado de fora, não havia para onde ir. Sem comida, com frio e impossibilitados de acender uma fogueira – a qual o iria denunciar -, o fugitivo acabava por voltar com o rabo entre as pernas e pedir desculpas pela evasão. Na maioria das vezes o pedido de desculpas era aceito, e posteriormente era acompanhado por uma bala. Um a menos.

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Em 1884, dois anos após o tratado de fronteira com o Chile, Ushuaia e o Governo da Província da Terra do Fogo foram fundados, embora ainda sem qualquer habitante. Foi necessária então uma manobra de colonização para garantir a soberania do território. Mas quem, por livre e espontânea vontade, tomaria o rumo para um lugar tão inóspito e desértico? Você acertou, prisioneiros. Resolver o défice de prisão existente no país e ainda garantir que os chilenos não fossem tocar as terras celestes ao sul era matar dois coelhos com uma cajadada só. Bingo!

A Ilha dos Estados é a última perna da Cordilheiras dos Andes e pertence a Argentina. Foi lá, em San Juan del Salvamento, que funcionou até 1889 uma espécie de colônia penal aos militares acusados de assassinato. O clima e o afastamento fizeram daquela ilha inabitável e a situação era insustentável. Em 1902, tomou-se a decisão de trazer a prisão para a Bahia Golondrina. Nascia, dessa vez pra valer, Ushuaia.

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Foram 18 anos para que o edifício estivesse pronto. Os próprios detentos foram os responsáveis pela construção, pedra por pedra. A prisão de Ushuaia era um caixote para onde iriam parar todos os estrangeiros, reincidentes ou qualquer um mal comportado que fosse julgado digno de uma estadia na “terra maldita”. Durante um bom tempo, essa foi a ameaça comum a todos encarcerados. “Seja bonzinho, ou vamos te colocar de castigo mais próximo da Antártida do que da sua família”.

Os prisioneiros eram tratados como animais e receberam punições que muitas vezes pagaram com a vida. Uma vez por aqui, não se sabia por quanto tempo ficariam. O único meio de comunicação com a família eram cartas, censuradas e lidas por carcereiros. Digamos que uma boa parte acabava em uma fogueira. Não havia regras e as sanções internas e punições eram regidas pelo bom humor diário do guarda de plantão.

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A prisão acabou por tornar-se o motor econômico da ilha. Foram os presos que, em suas tarefas diárias, construíram toda infra-estrutura pública. Estradas, pontes, cais, casas, instalação de rede de água, iluminação pública e a manutenção de tudo isso. Basicamente, as bases da cidade de Ushuaia foram erguidas pelo suor dos condenados.
Logo a cárcere se tornaria também o principal fornecedor da população com serviços como padaria, sapataria, alfaiataria e fábrica de macarrão.

O paraíso das hordas de turistas caçadores de nevascas de hoje é resultado do trabalho duro de milhares de pijamas listrados encarcerados como cães nos confins da Terra.

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Sentado à mesa comunitária do hostel onde vivo, diferentes idiomas se cruzam. Costumo brincar que vivemos na cárcere do fim do mundo junto aos outros não turistas. Brasileiros, colombianos, venezuelanos, espanhóis e argentinos de todos os lados vivem por aqui. Somos quase uma família erradicada.

Há poucos viajantes nessa época do ano. Propositadamente ou não, nós os marginalizamos frente à ausência de um diálogo genuíno. Em suas companhias nos colocamos à mercê da frivolidade comportamental. O ritmo e ímpeto de quem vive por aqui bate distinto. E penso que sempre foi assim.

Eu nunca quis vir a Ushuaia. Aconteceu.
Assim como na maioria esmagadora das vezes, foi enquanto planejava um caminho que a vida tratou de recalcular a rota e me enviou a outro lado.

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Ushuaia é sempre o fim de uma longa história; seja para corações combalidos, mentes criminosas ou almas que anseiam por esperança. A nova “El Dorado” de caça tesouros desafortunados que chegam em remessas. Possivelmente se irão com bolsos aindas mais vazios. Uma terra de estrangeiros, onde fueguinos são fotografados como objetos raros sob olhares de descrença. Um santuário de redenção, paz, cifras. Muito provavelmente mais do que uma pausa, um recomeço para uma vida.

Em algum lugar, todos já demonstrávamos desgaste, embora todos pareçam não querer assumir essa realidade. De modo que a estadia em Ushuaia, a princípio, pode servir de pretexto para uma fuga. Cada personagem, a seu modo, busca uma saída, um atalho como antídoto às incompatibilidades que o trouxe ao fim da linha.

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Durante mais de 40 anos, detentos foram enviados para o fim do mundo para ocupar e erguer uma cidade. Quase 70 anos depois, eu cheguei para dar continuidade ao seu trabalho. Dessa vez não fui obrigado a nada, mas as circunstâncias e as imensas promessas dessa terra fizeram o trabalho de auto eleger esse lugar.

Ushuaia continua a ser uma cidade construída a base do sacrifício e esperança das pessoas. Os pijamas listrados em azul e amarelo apenas deram lugar a outros trajes. Durante um período, aqueles que já não se adequam a outras realidades ou almejam uma nova vida acabam por aportar aqui. Ushuaia é um recomeço. Um porto seguro que abre facilmente os braços para novos membros da “família”. Uma terra de todos.

Sentado no terceiro vagão, vou percorrer os últimos 7 quilômetros do caminhos dos presos, aberto para captação de madeira e pedras. Vou adentrar o Parque Nacional Tierra del Fuego embarcado no Trem do Fim do Mundo.

Assim como eu, o guia do trem, que a propósito divide o mesmo quarto comigo no hostel, não tem raíz alguma na região. Ele é apenas outro forasteiro que veio “tocar” Ushuaia. Fazemos graça imitando os antigos presidiários subindo ao trem.

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Eu ainda não havia notado que na verdade tínhamos mais semelhanças com aqueles detentos do que poderíamos supor à primeira vista.

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